Lideranças indígenas apontam omissões do governo de Jair Bolsonaro
Por Lucas Porfírio
Localizada nos estados do Amazonas e de Roraima, na fronteira com a Venezuela, a Terra Indígena Yanomami possui, aproximadamente, 9 milhões de hectares, sendo considerada a maior reserva indígena do Brasil. Na região vivem oito povos de etnias diferentes, dentre elas a Yanomami.
Segundo dados de 2019 da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligado ao Ministério da Saúde do Brasil, apenas em áreas brasileiras, são estimados 28 mil indivíduos yanomamis.
Denúncias apontam que com o avanço do garimpo ilegal, o povo Yanomami sofre com desnutrição, malária, pneumonia e verminoses, doenças tratáveis e que poderiam ter sido evitadas. Além disso, indígenas denunciam a contaminação dos rios por mercúrio e, tão grave quanto, abusos sofridos por mulheres e crianças.
A emergência humanitária enfrentada pelo povo Yanomami se deu em meio aos cortes de recursos para a saúde indígena no governo de Jair Bolsonaro. Ainda, durante a gestão do ex-presidente, em 2022, estima-se que 20 mil garimpeiros avançaram sobre o território dos povos originários.
Na sexta-feira (20/01), o Ministério dos Povos Indígenas divulgou que 99 crianças, de 01 a 04 anos, do povo Yanomami, morreram por desnutrição, pneumonia e diarreia. Os dados são referentes ao ano de 2022 e a pasta estima que pelo menos 570 crianças morreram em decorrência da contaminação por mercúrio, pela desnutrição causada pela fome. Também em 2022, foram confirmados 11.530 casos de malária no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, principalmente, entre pessoas indígenas maiores de 50 anos.
Diante da crise humanitária no território indígena Yanomami, o Governo Federal, na gestão do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou medidas como o envio imediato de alimentos e suplementos. O Ministério da Saúde decretou estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.
Movimentos indígenas afirmam que gestão de Bolsonaro ignorou ameaça à vida Yanomami
De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a invasão do garimpo ilegal em Terra Indígena (TI) Yanomami foi denunciada ao menos 21 vezes à justiça, com medidas feitas pela Apib, pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazonia Brasileira (Coiab) e por outras organizações indígenas. No entanto, “o governo Bolsonaro se negou a seguir as determinações da justiça para tomar medidas urgentes sobre o garimpo ilegal na TI, que se localiza em Roraima”, denuncia a Apib.
Ainda, em abril de 2022, a Apib divulgou o relatório da Hutukara Associação Yanomami, que demonstra que o território vive o pior momento de invasão garimpeira desde que foi demarcado, há 30 anos. Segundo a Apib, logo após divulgarem o relatório, o então vice-presidente, general Hamilton Mourão, afirmou que os dados sobre o garimpo ilegal eram “fantasiosos”.
“A morosidade do governo brasileiro em responder aos inúmeros pedidos de socorro gerou o estado crítico em que as comunidades se encontram atualmente. Como denunciado pela Apib ao longo do governo Bolsonaro, a situação faz parte de um projeto político que vê no extermínio dos indígenas o caminho mais rápido para impulsionar a extração predatória dos bens naturais de áreas protegidas”, declarou a Articulação dos Povos Indígenas.
Em entrevista ao Jornal O Globo, a futura presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a deputada Joenia Wapichana, afirmou que a crise humanitária que atinge os Yanomamis era uma “tragédia anunciada”. Ela contou que se reuniu com o ex-vice-presidente Hamilton Mourão, em 2019, para relatar a situação no território Yanomami, mas que nada foi feito.
A futura presidente da Funai cobra que a possível omissão e prevaricação do governo de Jair Bolsonaro seja apurada pelas autoridades. “É preciso apurar os motivos para que esse quadro se apresente. É preciso pensar rapidamente em ações para conter o garimpo ilegal, que está causando uma série de danos, tanto ambientais como sociais. O garimpo ilegal agrava a fome, está muito relacionado à malária, à contaminação da água por mercúrio, que a gente tem denunciado, principalmente nesses últimos anos”, ressaltou Wapichana ao Globo.
Perante as denúncias, a Polícia Federal (PF), por ordem do Ministério da Justiça e Segurança, abriu uma investigação sobre a crise humanitária na terra Indígena Yanomami. O inquérito vai tramitar em sigilo na superintendência da corporação de Roraima e busca saber se a comunidade foi vítima de genocídio, omissão de socorro e crimes ambientais no governo anterior. Por meio das redes sociais, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal, afirmou: “É uma tragédia muito grande para acreditarmos que foi improvisada”.
Ações do Governo Federal
No dia 20 de janeiro, o presidente Lula convocou uma ação emergencial em relação à crise humanitária no território indígena Yanomami, em Roraima. A ação é conduzida pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, em parceria com a Funai e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Além disso, conta com o apoio do Ministério da Saúde, Ministério da Justiça, Ministério do Planejamento e Orçamento e do Ministério de Desenvolvimento Social, Assistência, Família e Combate à Fome.
No último sábado (21/01), o presidente e os ministros visitaram o estado de Roraima. Lula garantiu que não vai mais existir garimpo ilegal, mesmo com as dificuldades de exterminar a prática. “Se alguém me contasse que, aqui em Roraima, tinham pessoas sendo tratadas da forma desumana que eu vi o povo Yanomami sendo tratado, eu não acreditaria. Não podemos entender um país que tem as condições que têm o Brasil deixar os nossos indígenas abandonados como eles estão aqui”, afirmou o presidente.
Por meio de nota, o Governo Federal informou que na terça-feira (24) iniciou a estruturação do Hospital de Campanha da Aeronáutica, transferido do Rio de Janeiro para Boa Vista. O objetivo é auxiliar no atendimento dos mais de 700 pacientes acompanhados pela Casa de Apoio à Saúde Indígena Yanomami.
O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil, Wellington Dias, ressaltou que o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami terá duração de 90 dias e suporte das Forças Armadas e da Funai, “para dar conta do problema de desnutrição, fome, saúde, muito grave nessa região”.
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