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Exposição, intervenções artísticas e ato público marcam seis anos do rompimento da barragem em Brumadinho, sem julgamento

Exposição, intervenções artísticas e ato público marcam seis anos do rompimento da barragem em Brumadinho, sem julgamento

Imagem: Isabelle Aguiar

Iniciativa é do Instituto Camila e Luiz Taliberti, entidade que leva o nome de duas das 272 vitimas da tragédia. Proposta é marcar a data com arte e resistência

No próximo dia 25 de janeiro, completam seis anos de uma tragédia que matou 272 pessoas e se tornou um dos maiores desastres ambientais do mundo. O rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, liberou 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de produção mineral, devastando paisagens e vidas de centenas de famílias. Entre as vítimas, estavam os jovens Camila e Luiz, filhos de Helena Taliberti, que também perdeu sua nora, grávida de cinco meses do seu primeiro neto. Desde então, ela lidera o Instituto Camila e Luiz Taliberti para honrar a memória das vítimas e lutar por justiça. Em janeiro, a entidade promove o Mês da Memória, com várias ações que unem arte e resistência para marcar a data.

No dia 25 de janeiro, a exposição “Paisagens Mineradas: marcas no corpo-território”, em cartaz no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, recebe duas intervenções artísticas marcantes, ambas voltadas para refletir e aprofundar as memórias e os impactos do rompimento da barragem de Brumadinho. Às 16h, será apresentada a performance “Pedaços de chãos se movem com as águas”, de Morgana Mafra, artista natural de Itabira, cidade que além de ser a terra do Drummond, acostumada ao olhar poético, é minerada pela Vale desde os anos 1940 e, portanto, dialoga com o tema da exposição. Sua obra combina dança e escultura em movimento, explorando as cicatrizes deixadas por um “chão explodido e fragmentado”. Com sons captados de uma cava a céu aberto e contrastes entre bruto e polido, pedra e ferro, a performance traduz, de maneira visceral, a relação entre corpo, memória e paisagem devastada. A coreografia, que evoca ruínas e processos de regeneração, é um convite à introspecção sobre o impacto da mineração nos territórios e nas vidas que os habitam.

Às 17h, a programação se encerra com a exibição do documentário “Sociedade de Ferro”, dirigido por Eduardo Rajabally. O filme investiga os desastres de Mariana e Brumadinho, desvendando as conexões entre as gigantes mineradoras e o poder público em Minas Gerais. A obra traça um panorama crítico da exploração de recursos naturais e seus impactos devastadores nas comunidades e ecossistemas. Com imagens que mostram o desaparecimento de montanhas, a contaminação de lençóis freáticos e a destruição dos territórios indígenas, o documentário propõe uma reflexão urgente sobre o modelo de progresso que minerou nossa existência. Ao dialogarem com o tema central da exposição, as instalações de Morgana Mafra e Eduardo Rajabally reforçam a mensagem de memória, resistência e necessidade de transformação que permeiam o Mês da Memória.

Ato em memória das vítimas em São Paulo

No domingo, 26 de janeiro de 2025, a Avenida Paulista, em São Paulo, será palco de um ato público em memória das 272 vítimas do rompimento da barragem de Brumadinho. O evento acontece das 10h às 16h, na esquina com a Rua Pamplona, e reunirá atividades artísticas e educativas para todas as idades. A programação começa com oficinas voltadas para crianças, incluindo o plantio de mudas e a criação de um mural vivo, conduzidos por Luciana Cruz e Marcela Sevilla. Essas ações unem arte e ativismo ambiental, simbolizando a regeneração e convidando o público a refletir sobre a preservação da natureza.

Outro momento marcante na ocasião será o toque da sirene às 12h28, horário exato do rompimento da barragem. O som, que representa o alarme que nunca soou em 2019, será seguido por um pronunciamento do porta-voz do Instituto Camila e Luiz Taliberti. “Não foi um acidente. O processo ainda está em curso e ninguém até o momento foi responsabilizado”, relembra Helena Taliberti, presidente do Instituto Camila e Luiz Taliberti. “Perdemos nossos sonhos e a segurança que sentíamos.  Perdi meus filhos, Camila e Luiz Taliberti, minha nora, Fernanda Damian de Almeida, grávida de cinco meses, do meu neto, Lorenzo. Perdemos tudo naquele dia 25, sonhos, planos, perspectivas”, enfatiza a presidente do Instituto Camila e Luiz Taliberti, Helena Taliberti, que estará presente ao lado do marido Vagner Diniz, que atua como presidente da Fundação do Memorial Brumadinho. 

Durante todo o dia, o público poderá participar de atividades como a oficina “Estampe-se”, com Monique Fora de Série, onde serão criados panos de prato com mensagens de resistência, além da ocupação criativa “Ser Rio”, que convida à reflexão sobre a importância das águas. Haverá, ainda, distribuição de kits de plantio e cartões semente e a circulação da “Bike Camila Taliberti”, que carrega mensagens de memória e conscientização. O público também poderá assinar o manifesto em nome da memória das vítimas e busca por justiça, que já conta com mais de 127 mil assinaturas

Exposição “Paisagens Mineradas”

Em cartaz no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, até o dia 15 de março de 2025, a exposição Paisagens Mineradas tem como ponto de partida e reflexão a tragédia em Brumadinho. A mostra reúne obras de 12 artistas mulheres que utilizam técnicas como pintura, gravura, videoarte e instalações para explorar os impactos da mineração na natureza e na sociedade brasileira.

A exposição resgata a memória dos que perderam a vida e dialoga com um futuro possível: as obras expostas retratam a devastação, mas também a capacidade de regeneração. “Nos horizontes do tempo, cicatrizes desenham as paisagens do corpo, da memória e da terra. ‘Paisagens Mineradas’ é um convite à imaginação de um solo fértil. Nessa lama vermelho-sangue, semeamos a vida”, reflete o texto de apresentação da mostra.

O texto ainda ressalta o papel crucial do feminino na iniciativa: “esta exposição reúne mulheres artistas que, feito mãe-terra, se organizam em rede para germinar outras paisagens possíveis”. A curadora aponta que ter uma equipe integralmente feminina, inclusive na produção da mostra, reflete uma narrativa crítica sobre exploração. “Em um sistema que normaliza a violência, o que se faz com a montanha, se faz com a mulher. Pensar no lugar que as mulheres ocupam na cultura e na arte, muitas vezes apagadas na história, é uma forma de subverter a lógica de um sistema opressor”, afirma Isadora.

“Essa é uma exposição sobre perda e renascimento. Uma forma de honrar cada vítima e para tornar viva a memória e busca por justiça por meio da arte”, declara Helena Taliberti. “O ato de levar ‘Paisagens Mineradas: marcas no corpo-território’ ao Museu da Inconfidência é um gesto poderoso de resistência e memória. A antiga Vila Rica, que um dia simbolizou a riqueza do ouro, hoje é ocupada por uma exposição que confronta as rupturas humanas, sociais e ambientais dessa exploração. A mostra é um convite a refletir sobre o futuro, honrando as vidas perdidas e o que ainda pode ser ressignificado”, conclui.

A exposição e sua itinerância foram idealizadas e realizadas pelo Instituto Camila e Luiz Taliberti com o intuito de levar a discussão sobre os impactos da atividade mineradora para diferentes públicos e conectar territórios afetados por essa prática. O instituto honra a memória dos irmãos Camila e Luiz, que perderam a vida no rompimento da barragem de Brumadinho, através de ações culturais e de sustentabilidade que buscam conscientizar a sociedade sobre o impacto da mineração predatória.

“Esta exposição é um convite para refletirmos sobre o futuro que está sendo construído e as consequências das nossas escolhas. Precisamos mostrar para a sociedade o que aconteceu, para que tragédias como essa não se repitam, para que a vida seja priorizada, e para que a morte deles não tenha sido em vão”, diz Helena. “A itinerância da exposição é uma forma de nos conectar com as famílias que passaram pelo mesmo trauma, com pessoas que também acreditam nessa luta e ainda agregar pessoas que se sintam tocadas pela causa e pela arte”, complementa. Antes de chegar a Ouro Preto, “Paisagens Mineradas” passou por São Paulo (SP) e Belém (PA).

O acervo é composto por obras de doze artistas mulheres: Beá Meira; Coletivo ASA (Associação de Senhoras Artesãs de Ouro Preto); Isadora Canela; Isis Medeiros; Julia Pontés; Keyla Sobral, Lis Haddad; Luana Vitra; Mari de Sá; Murapyjawa Assurini, do Coletivo Kujÿ Ete Marytykwa’awa; Shirley Krenak e Silvia Noronha, com a realização do Instituto Camila e Luiz Taliberti, coordenação de Marina Kilikian e curadoria de Isadora Canela e Carla Cruz.

Serviço

Mês da Memória – Instituto Camila e Luiz Taliberti

Atividades em Ouro Preto

25/01/2025, sábado | Performances na exposição Paisagens Mineradas

Entrada gratuita

Programação:

– 16h: Pedaços de chãos se movem com as águas, performance de Morgana Mafra

– 17h: Exibição “Sociedade de Ferro”, filme de Eduardo Rajabally

Endereço: Anexo do Museu da Inconfidência | Sala Manoel da Costa Athaíde (Rua Antônio Pereira, n° 3, Centro Histórico, Ouro Preto/MG)

Atividades em São Paulo

26/01/2025, domingo | Ato Público

Horário: 10h às 16h

Entrada gratuita

Programação:

– 10h: Plantio de mudas e mural vivo, com Luciana Cruz e Marcela Sevilla

– 12h: Estampe-se, com Monique Fora de Série

– 12h28: Toque da sirene e depoimento do Instituto Camila e Luiz Taliberti

– 14h: Ocupação criativa, com Ser Rio

– 15h28: Toque da sirene

– 15h30: Encerramento

– Ao longo do evento: Assinatura manifesto, distribuição de kit plantio, distribuição de cartões semente e bike Camila Taliberti – Memória manifesto

Endereço: Av. Paulista com Rua Pamplona, lado centro

Sobre o Instituto Camila e Luiz Taliberti (ICLT)

Entidade sem fins lucrativos, o Instituto Camila e Luiz Taliberti,   fundado em julho de 2019 por amigos e familiares de Camila e Luiz para honrar o legado  dos irmãos  vítimas  do  rompimento da barragem do Córrego do Feijão, na cidade de Brumadinho (MG), em 25 de janeiro de 2019. O ICLT atua promovendo ações culturais e de sustentabilidade em prol da conscientização sobre as consequências da mineração para as comunidades, além de fazer vasta reflexão sobre o futuro da nossa sociedade, a sua relação com o meio ambiente e o cuidado com os mais vulneráveis. Entre os projetos recentes estão a Mostra de Cinema, Mineração e Meio Ambiente (2023 e 2024) e a exposição Paisagens Mineradas (2024).

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