Chegou em casa, tomou um banho relaxante e se deitou. Sabia que não conseguiria dormir, mas queria parar. Parar o corpo, já que não podia parar a mente.
O remédio contra insônia estava sob a mesa de cabeceira, mas ela temia abrir a caixa e não resistir a tomar a cartela inteira. Seu desejo era descansar para sempre. Todas as noites, antes de se deitar, à espera de um novo dia, rezava e pedia a Deus para que não estivesse nele.
Por mais paradoxal que parecesse, ela amava a vida. A juventude já se fora, mas ela era uma mulher ativa, independente, amada pelos seus. Tinha uma vida confortável e era forte. Sobrevivera à viuvez e à perda de um filho. Não havia um dia em que não se lembrasse dele e do esposo, mas tinha mais duas crianças para cuidar. Não podia sucumbir, e não sucumbiu.
Aprendeu a conviver com a dor e seus dois outros filhos cresceram, lhe deram quatro lindos netos e muito amor. Não estava depressiva, nem desejava a morte por sofrimento, e sim por cansaço. Sentia que seu tempo se esgotara. Não havia mais lugar para ela no mundo, pelo menos não neste mundo. Não se encaixava. Tinha outros valores, outra forma de ver a vida, não aceitava o que o mundo se transformou.
Mesmo consciente de que não tinha o direito de fazê-lo pelas próprias mãos, tudo o que ela queria era partir. Não por depressão, infelicidade ou dor, mas pela necessidade de ir para o seu lugar, um lugar que ela não sabia qual era, mas tinha certeza de que não era aqui. Estava com 65 anos e pela sua qualidade de vida, sabia que tinha tudo para viver muitos anos mais. Sua vida era ativa, ela fazia um monte de coisas, e fisicamente estava muito bem. Amava a vida, mas detestava o mundo. Queria ir embora. Não entendia um mundo feito por seres humanos como ela, em que filho odeia mãe, pai estupra filha, jovens se matam em gangues, idosos são maltratados… se a vida é uma benção tão maravilhosa, por que os que recebem esta benção constroem com ela este tipo de mundo? Queria dormir, mas os olhos não se fechavam.
Pegou a caixa do remédio. Só uma cápsula para o descanso do sono e amanhã seria outro dia. Rezou muito. Não queria acordar, mas não era dela a escolha. Tudo o que podia fazer era rezar para quem tem a decisão nas mãos ter também misericórdia de sua alma, e libertá-la de uma vida que, mesmo não sendo infeliz, não se encaixa neste mundo de infelicidade.
Ah, dona Margarida (nome fictício), como eu a entendo! Eu também amo demais a vida, mas se Deus me desse a graça de poder escolher, com o mundo como está, não chegaria sequer à sua idade.