Nylton Gomes Batista
Em verdade, quase que somente pessoas bem abonadas, financeiramente, podiam se considerar bem tratadas e não discriminadas em restaurantes, quando no setor prevalecia o serviço personalizado. Estavam acostumadas ao serviço como clientes constantes, até fidelizados, tinham condições de pagar pelo serviço e ainda agradar ao garçom com a tradicional gorjeta. Quando ali estavam era como se, em suas próprias casas, estivessem, bem ao contrário das pessoas não inseridas no grupo! A título de pilhéria, no passado, costumava-se dizer que pobre, quando comia frango, um dos dois estaria doente. Mais ou menos, a mesma coisa se podia dizer quando o pobre comia em restaurante; alguma coisa não estaria bem em sua vida, para forçá-lo a gastar do pouco guardado no porquinho de cerâmica. Se o favorável era generoso com uns poucos dos frequentadores de restaurantes, o desfavorável era, na mesma proporção, cruel com a grande maioria que, eventualmente, a eles recorriam. Não havia reclamações, mas isso não queria dizer que estava tudo às mil maravilhas, pois, não poucas vezes, pessoas saiam frustradas com o serviço, com qualidade da comida, quase sempre na proporção inversa ao preço. Não havia reclamações porque o “deixa pra lá” faz parte da cultura tupiniquim, dentro da qual reclamar não é de bom parecer.
Contudo, entre as poucas vezes que sei ter havido reclamação contra maus serviços em restaurantes, relato um caso, do qual fui testemunha. Estava a aguardar atendimento em restaurante de nível mediano quando, na mesa ao lado, cidadão foi atendido, o garçom a lhe trazer feijoada, o prato do dia. O garçom se afastou, mas teve que retornar, ainda do meio do caminho, em atendimento ao cliente que o chamou de volta. – Às suas ordens, senhor – apresentou-se o garçom. – Eu pedi feijoada! Exclamou o cliente. – E aí está a feijoada, retrucou o garçom. – Não, isso aqui não é e nunca foi feijoada, nem aqui e nem em lugar nenhum – contra-atacou o cliente, a elevar o tom, continuando: – Só porque contém feijão não é feijoada que, normalmente, contém ingredientes diversos, todos faltantes neste recipiente. Aqui só há linguiça calabresa e por isso, o prato não é o que pedi; não é feijoada. O rapaz argumentava e, com a colher revolvia o conteúdo que, evidentemente, era só linguiça no feijão. A partir desse momento, a coisa engrossou de vez, porque o cliente declarou que não pagaria e a gerência, por sua vez, informou que chamaria a polícia. Ao ouvir falar em polícia, o cliente se sentou novamente e disse que aguardaria a polícia. O garçom, então, apressou-se para refazer a mesa, recolhendo a guarnição disposta, mas o cliente se atravessou na frente e gritou: – ninguém vai retirar a prova do crime! Só depois que a polícia autorizar! Pelo sotaque, carregado de “xis”, percebia-se que o rapaz era carioca; e carioca sabe o que é feijoada! A essa altura, muitos clientes já haviam batido retirada, desistindo do atendimento. De mesa, um pouco isolada no canto, um senhor de meia idade, depois de observar tudo sem se meter, chamou o gerente, disfarçadamente, e com ele conversou por dois ou três minutos. O gerente voltou para seu posto e, depois de algum tempo, aproximou-se do cliente, dizendo-lhe que estaria livre para sair sem pagar a conta, mas se quisesse escolher outro prato, seria atendido, também sem lhe custar nada. O cliente declinou da oferta e saiu. No mínimo, o cidadão que conversara com o gerente, seria um advogado sensato. Se fosse pilantra, teria se aproximado do cliente prejudicado. Naquela época nem se imaginava Código de Defesa do Consumidor ou PROCON; por isso, a intervenção discreta daquele cidadão foi providencial. Atualmente, o autoatendimento, consolidado na aceitação da clientela que tende a crescer, elimina praticamente os pontos de atrito, atendendo de forma mais igual e satisfatória. Restaurantes de serviço personalizado continuam, porém, voltados a público e momentos especiais.
Quando se trata de apenas se alimentar, sem ter muito que esperar, não há que discutir, pois tais restaurantes atendem, prontamente, com razoável qualidade. Registre-se a oportunidade de inclusão das PANC (Plantas Alimentícias Não Convencionais), muitas das quais servidas com sucesso em restaurantes de autoatendimento, tornando pública a culinária até aqui restrita às cozinhas domésticas. Dentre outros benefícios dessa modalidade de restaurante, que não se esqueça da opção dada às famílias para, aos domingos, liberar as donas-de-casa de sua rotina diária.