Por Nylton Gomes Batista
Rango, comida ou alimento é assunto que interessa a todos, embora nem todos lhe deem a atenção correspondente ao seu valor na preservação da vida, perdendo-se ela em considerações, também importantes, porém secundárias, entre essas o prazer advindo da ingestão de alimento. Para um grupo, alimentar-se é prover o estômago de comida, até mesmo enchê-lo, irresponsavelmente. Em campanhas políticas pode-se ouvir promessa de cada pessoa ter quatro refeições por dia, como se a questão alimentar se encerrasse no volume de alimento ou no número de refeições diárias por pessoa, ou ainda que o principal objetivo da vida fosse comer. Nenhuma preocupação há com a qualidade do alimento e com outros fatores, também importantes no ato de se alimentar!
Na outra extremidade estão os que se preocupam com a finesse no paladar, apreciação de temperos exóticos, passando antes pela agudeza da visão na apreciação dos pratos, em arranjos coloridos e adornos estravagantes. Com qual dos grupos ficar?
De uma posição bastante pessoal, pois também em comida, gosto não se discute (com trocadilho e tudo), digo: nenhum dos dois. O que me leva à abordagem do tema prende-se a artigo lido, na web, segundo o qual, o paladar brasileiro está a evoluir, pois à sua rica, diversificada e apreciada culinária, vem acrescentando-se iguarias finas de outras culturas. Há controvérsias! Segundo meu entendimento, o articulista peca, ao associar evolução do paladar brasileiro à apreciação de outros pratos, outros temperos, ditos finos, oriundos de outros países. Em sua avaliação, pressupõe-se o paladar do brasileiro, rude, grosseiro, inferior, o que não é verdadeiro para nenhum indivíduo, para nenhum povo. Existe o paladar pessoal, único, exclusivo de um indivíduo e, por extensão, o paladar padrão coletivo que, no caso, é o brasileiro. Da tese do articulista deduz-se também que o povo, fornecedor das ditas “finas iguarias”, teria seu paladar involuído, se passasse a apreciar pratos brasileiros; o que também é falso.
Ao falar em paladar padrão, veja-se a Coca-Cola que, para expandir suas vendas pelo mundo, adequou-se ao paladar local, em alguns países. Vem-me também à mente o aconselhamento, dado por uma organização religiosa norte-americana aos seus missionários, direcionados ao Brasil, lá pelos anos 60. Alertavam sobre alimentos comuns aos brasileiros, porém extremamente desagradáveis ao paladar norte-americano. Entre esses alimentos estava o mamão que, mesmo para nós não era saboroso, se não adicionado bastante açúcar. Em sabor, o mamão que se come, hoje, nada tem a ver com o daquela época! Paladar, gente, é gosto; e gosto não se discute. Contudo, a questão pode ser diferente no caso da música, que é uma questão de educação. Indivíduo, fã da “Eguinha Pocotó”, pela educação dos ouvidos, passando, paulatinamente, a ouvir música mais bem trabalhada, pode chegar a apreciador de Carlos Gomes, Villa-Lobos, Tchaikovsky, Beethoven, por exemplo; sem precisar estudar música.
Quanto ao paladar, diversificam-se os, sabores consumidos, mas registrado está o paladar do indivíduo, como se “patrimônio imaterial”. Conta-se que Juscelino Kubitschek, então governador de Minas, estava em visita a uma obra no interior. Naquela época, nem toda cidade tinha hotel e restaurante, razão pela qual, o almoço era servido na casa de um prócer local, um político da mesma base, por exemplo. Ele procurou saber onde seria o almoço, fez contato com a pessoa responsável pela cozinha e dispensou qualquer “comida complicada”, acrescentando que ficaria muito satisfeito com “couve rasgada e torresmo”.
A natureza, sábia, preventiva e provedora, parece determinar o paladar para cada indivíduo de acordo com seu organismo e necessidades à preservação e manutenção do próprio. Contudo, a vaidade humana, tutelada pelo livre arbítrio, acaba por mascarar o paladar original, introduzindo alimentos nem tanto compatíveis com o organismo, porém a satisfazer ao ego, em sua necessidade de visibilidade contínua e à glutonaria, ainda que leve, desvio indesejável, sob o ponto de vista salutar, da função prazer na ingestão de alimento. Paladar é algo pessoal, de natureza íntima pois, ainda que duas pessoas compartilhem os mesmos gostos à mesa, não se pode dizer que o paladar das duas seja o mesmo. Enfim, prato fino ou “mexido”, o que importa são os nutrientes; se um e outro fornecem os nutrientes necessários à preservação e manutenção do organismo. Quanto a mim, não troco feijão (preto) com angu, couve fina e o torresminho pelo mais destacado dos ditos “pratos finos”!