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Ponto de Vista do Batista
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Tradição mineira ameaçada

Por Nylton Gomes Batista
Desta vez, o assunto, além de me tocar, pessoal e profundamente, tem relação com a cultura, tradições mineiras, mais especificamente desta região, a partir do município de Ouro Preto. Por sessenta anos, fui integrante de banda de música na qualidade de instrumentista, inclusos dezoito acumulados como dirigente, depois de resgatá-la da inatividade quase definitiva. Há sete anos fui banido pela deslealdade de alguns e indisciplina de outros, que insistiam em prestigiar segunda entidade congênere, em detrimento da primeira que os acolhera e lançara. Do episódio salvou-se a instituição que, inocente e, de certa forma, manipulada por eventuais oportunistas, continua seu trabalho dentro da cultura musical local, mineira e brasileira. 
Saí da banda, mas o espírito das bandas de música não saiu de mim! Por isso, sinto-me com direito de registrar, não uma crítica, porém advertência, para que não se perca, no futuro, algo que hoje nos é muito caro. Está a se tornar muito comum, nas procissões católicas, ouvirem-se hinos religiosos executados por bandas de música. Nada contra hinos religiosos tocados por bandas, de quaisquer credos, porém sua preservação cabe à própria Igreja, às congregações e irmandades religiosas, além de o povo em geral. Desde que limitado, um para três ou quatro números específicos das bandas, não vejo razão para eliminá-los das procissões, mas sua participação em proporção maior pode por em risco a tradição das “marchas de procissão”. 
Agora vem a importância de se impor esse limite como garantia das marchas festivas. Em todo o universo das bandas civis brasileiras, Minas Gerais concorre com o maior número delas e dentro de Minas, elas se concentram num raio de, mais ou menos duzentos quilômetros em torno de Ouro Preto, região em que se encontram também as mais antigas. Ouro Preto era a capital da província, razão pela qual nas suas proximidades surgiram as primeiras bandas de música (de configuração mais próxima ao padrão atual), tão logo se popularizaram os instrumentos dotados de mecanismo, criados pelo belga Adolphe Sax (1814/1894).
Adolphe Sax é muito elogiado pela imprensa por ter criado o saxofone, desprezando a enorme contribuição que ele deu para a evolução dos demais metais com a introdução dos instrumentos da família “horn”. 
Imagine-se o fervor de que foram tomados compositores do setor, libertos da limitação imposta por cornetas, trombetas, clarins e afins entre os metais. Mais de noventa por cento das atividades das bandas eram voltados para as festas católicas (o nome da maioria delas o atesta), o que fez a criação musical se desenvolver e se aprimorar em torno dos louvores a Deus e seus santos. Belas e preciosas marchas quaternárias, de caráter festivo (para as procissões). de caráter fúnebre (para funerais e para a sexta-feira da Paixão). Infelizmente, talvez a maior parte desse acervo tenha se perdido por incúria, até dos próprios compositores e entidades musicais! Assim como as bandas de música estão concentradas em determinado raio em torno de Ouro Preto, a tradição das marchas de procissão é mais evidente no mesmo espaço. À medida que se afasta de Ouro Preto, essa tradição vai se rareando, até desaparecer. Em outros pontos do Brasil as marchas de procissão são pouco conhecidas. 
Que cuidem os dirigentes de bandas de música de evitar o desuso das marchas (festivas e fúnebres), para que não se extinga a tradição, seguindo o lamentável desparecimento, no passado, de tantas preciosidades em partituras musicais.
nbatista@uai.com.br

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