Enquanto a pandemia vai, aos pouquinhos, deixando de ser assunto mais frequente e comum, à exceção das famílias com algum membro ainda a sofrer a COVID-19, em casa ou em hospital; à exceção também de políticos que fazem, do assunto, arma para suas batalhas duvidosas, tretas, mutretas e artimanhas, outros acontecimentos vêm chamar a atenção para o fato de que a vida continua, acompanhada dos seus problemas de sempre e mais os eventuais. A pandemia foi e ainda é um peso, do qual, espera-se, vamos nos livrar, ainda que não em curto prazo. Não há bem que nunca se acaba e nem mal que perdura para sempre!
Toda essa microrregião viveu momentos de angústia e desespero, dia 18, com a enchente do Rio Maracujá, fazendo a todos lembrar a realidade, que não é só a global, infelizmente, ainda penosa para muitos sob os efeitos da pandemia, mas é também local e individual. Por algumas horas, enquanto bens materiais eram danificados ou levados pelas águas, pessoas viviam a aflição de estar fora de casa, às vezes tão perto, e não poder retornar, impedidas pela inundação. Muito comuns antigamente, pelo menos um ou dois a cada ano, transbordamentos do Maracujá tornaram-se raros, assim como se rarearam, tanto em volume quanto em constância, as chuvas nos últimos trinta anos. As novas gerações não conhecem chuva como os mais velhos vivenciaram! Quando chove um pouco mais forte, ou cai chuva mansa por três dias consecutivos, é tempestade, ou é dilúvio! Felizmente, as consequências da enchente foram somente susto, angústia e perdas materiais, ainda que bem valiosas para algumas famílias de Amarantina!
Mas, o principal nesta abordagem não é propriamente a chuva e a inundação, embora tenha surgido no trabalho de divulgar os acontecimentos. Não resisti à tentação de abordar a questão, porque se tratar de aspecto da cultura humana, versão brasileira, que parece estar sendo apagado, de forma subliminar. Tratei do assunto, há algum tempo, neste mesmo espaço, e volto agora motivado por detalhe, colhido em reportagem sobre a enchente. Foi registrado o depoimento de um rapaz e, dentro do mesmo trecho, ao se referir à sua mãe, ele disse mamãe, mas a repórter escreveu ‘mamãe’ (entre aspas simples, uma vez que a palavra estava contida em trecho limitado por aspas duplas). A palavra mamãe foi grafada como estranha à Língua Portuguesa, como se gíria fosse, mas, a culpa não é da repórter que, sendo jovem, foi mal influenciada, assim como foram as últimas gerações.
Suspeita-se de campanha subliminar, ardilosamente veiculada pela televisão (telenovelas) com o objetivo de minar o relacionamento familiar, somente agora percebido a que se destinava, retirando dele o afeto e carinho devidos aos genitores, expressos no tratamento/referência, por meio das palavras papai e mamãe. Em lugar delas, foram introduzidas “meu pai” e “minha mãe”. Ora, “meu pai” e “minha mãe” transformam os pais em meros provedores do sustento e submissos aos filhos; submissão essa configurada pelos possessivos “meu” e “minha”, em franca contradição à ascendência. A relação do(a) filho(a) com pai e mãe deve ser, antes de tudo, uma troca de amor, carinho, ternura e, naturalmente, respeito, em qualquer idade.
Note-se que, tão somente no Brasil, isso foi feito, porque em qualquer país encontramos os mesmos termos afetuosos, usados pelos filhos em relação aos pais. Enumeram-se aqui alguns mais conhecidos e os termos correspondentes a papai/mamãe, em cada um deles, de acordo com o Google: Portugal (papá/mamã); Estados Unidos (daddy/mummy); França (papa/maman); Espanha (papá/mamá); Alemanha (papa/mama); Itália (papa/mama); Rússia (papa/mama); Noruega (pappa/mamma); China (baba/mä mä). Observar que, se correto o Google, os termos são muito parecidos, ainda que, grandes discrepâncias haja entre os idiomas. Pelo que se vê, em todo o mundo, filho(a) conserva pai e mãe em patamar especial de relacionamento e a eles se refere com o mesmo grau de afeto.
Só no Brasil, filhos parecem ter vergonha de demonstrar afeto para com aqueles, que constituem o portal pelo qual chegaram à vida e na qual são rodeados de amor e carinho, cada caso a seu modo, entende-se, mas geralmente como motivos de orgulho.
Louve-se Israel Rosa de Aquino, de Amarantina, que não se envergonha de se referir à sua genitora, dona Elenita, como MAMÃE!