Em continuidade ao tema da semana passada, que deu o que falar, não somente entre afetados pela pane nas redes sociais, mas também abriu portas a declarações e artigos de profissionais da neurociência, faço ainda algumas considerações. O que se observou, no comportamento das pessoas a reagir de forma vitimista, não foi um fato primário, isolado e destituído de qualquer outro significado, que não a frustração diante da perda de contato dentro das redes virtuais. Na verdade, foi uma espécie de explosão no processo, iniciado há algum tempo.
Tudo teve início ao surgir o celular, a engenhoca mágica que viria revolucionar a comunicação interpessoal. Era o fim da hegemonia da telefonia fixa, da qual a massa popular estava excluída devido ao alto preço. Não quer isso dizer que o celular, no início, fosse barato, mas apresentava a vantagem de não se impor nenhuma burocracia para tê-lo; bastava comprar o aparelho, cadastrá-lo e sair falando e ouvindo! Confesso que, como entusiasta de novas tecnologias, desejei ter um daqueles primeiros, mas considerando o relativo alto preço, ele não entrou na lista das minhas prioridades e… foi bom; foi bom porque ao observar os primeiros e poucos portadores da novidade, percebi a grande dependência humana, que se criava em relação ao aparelho; as pessoas não desgrudavam aquela coisa do ouvido! Cheguei a brincar com algumas mais próximas, que poderiam ter a orelha derretida! Certa vez, estando na extensa fila do antigo BEMGE, alguém falava que o corpo humano era dividido em três partes principais: cabeça, tronco e membros; ao que eu, em voz alta, acrescentei: e CELULAR! A reação foi uma tremenda gargalhada, talvez a considerar minha intervenção como fora de propósito. Naquela época, o celular era simples telefone, pois ainda não havia internet móvel, mas quem tinha o aparelho já estava dependente dele.
Desde o início, o celular foi uma espécie de fetiche para muitas pessoas, e, já vi gente, ao entrar no ônibus, decidir voltar para casa porque havia esquecido o aparelho! Criou-se um “vínculo afetivo”, como se o celular fosse, no mínimo, um animal de estimação, um cãozinho, um gatinho, do qual as pessoas não querem se separar. Essa dependência em relação ao simples telefone móvel só tinha mesmo que se expandir com chegada da internet móvel e, por fim, com as redes sociais e todas suas implicações. A internet e as redes sociais encontraram um caminho aberto no campo das necessidades, até então inexistentes, porém criadas a partir do telefone celular, disponibilizado para a comodidade das pessoas, A comodidade seria a comunicação mais fácil, a qualquer tempo e lugar, de pessoa para pessoa, mas abertura da inclusão à telefonia foi tão grande, em todos os sentidos que, na cabeça das pessoas, o celular passou a funcionar como extensão do corpo. Antes da internet nele, o aparelho era apenas telefone, mas já era usado de maneira desmedida, o que nunca se faria com o telefone fixo. Em qualquer situação, andando na rua, aguardando por atendimento, na fila ou na sala de espera, as pessoas estão a falar ou a “bicar” o celular. Curioso é que pelo celular se dá muita atenção ao próximo distante, contando piadas e trivialidades, se não fofocas e maledicências, porém o próximo, ao lado, mão recebe nem bom-dia! É o cúmulo do paradoxo na comunicação humana!
De volta ao “apagão” nas redes sociais, o que se conta é que dependentes do celular, por questão de trabalho, não consideraram tão ruim, pois tiveram um alívio, um descanso forçado. O bicho pegou feio mesmo foi para os dependentes psicológicos, para não dizer “viciados” em celular! A pandemia foi agravante a engrossar a legião de dependentes. O “fique em casa” e a campanha de amedrontamento da mídia levou muita gente a preencher o ócio forçado diante do televisor ou, mediante o celular, à busca de “refúgio” nas redes sociais.
Produtos da tecnologia estão aí para servir às pessoas, facilitando-lhes o cumprimento das obrigações do quotidiano. Entretanto, o que se constata é a inversão na relação, quando as pessoas mais “servem” ao aparelho do que dele se servem! A pane nas redes sociais e suas consequências soam como advertência quanto ao que ainda pode acontecer, à saúde física e mental, se pessoas continuarem nessa dependência extremada. Seria esse o início do domínio das máquinas sobre a espécie humana, anunciado em obras de ficção científica?