A decadência cultural é algo que não mais se consegue esconder, não precisando alguém ser erudito para perceber que, nesse setor, foi tudo para o fundo do poço. O saber por saber, por prazer ou para o enriquecimento do espírito, como se praticava outrora, daí derivando a prosperidade e o sucesso, na vida material, deu lugar às artimanhas e patranhas com as quais mascara-se a imagem do indivíduo que se pretende ou se presume em destaque. A mediocridade sobrepuja o talento, faz pouco do conhecimento e ri do que é culto. Inverte-se tudo e, aí, no mundo da inversão de valores o Ter é mais que Ser!
Quando esse quadro se configura no círculo mais próximo, a localidade em que se vive, por exemplo, percebe-se com mais nitidez as diferenças entre o ontem e o hoje, entre a atividade e a passividade, entre a criatividade e o plágio ou imitação, entre o orgulho de ser e a apatia generalizada. O distrito de Cachoeira do Campo, pós instauração da República e transferência da capital, de Ouro Preto para Belo Horizonte, perdeu parte de sua força, não toda, porque a cultura, o fervor civilista e a solidariedade, a envolver toda a comunidade, muito contribuíram para que iniciativas locais brotassem, crescessem e dessem frutos, dos quais muitas famílias se alimentaram e se educaram. Cachoeira do Campo estava longe de tudo, bastando-se dizer que à sede municipal quase não se podia ir e de lá voltar no mesmo dia; não mais que meia dúzia de casas tinha água encanada; rede de esgotos não havia; as ruas eram esburacadas e cheias de mato, roçado de dois em dois anos. Entretanto, a cultura fervilhava, envolvendo a todos com muitos eventos, cuja realização movia a economia local: festas religiosas, praticamente uma a cada mês do ano, grandiosas e com o poder de trazer visitantes de longe, embora o transporte ainda fosse difícil; serestas rotineiras, nos fins de semana; grupos de chorinho nas tarde de domingos e dias feriados; teatro a atrair o povo com peças singelas, porém carregadas pelo espírito da empolgação, algumas escritas por autores locais. Se o cachoeirense produzia e buscava cultura, para isso muito contribuiu a comunidade salesiana das Escolas Dom Bosco, por meio do seu Oratório Festivo, além do antigo Orfanato Nossa Senhora Auxiliadora, cada um desses locais a oferecer sua própria casa de teatro. Registre-se também a contribuição da escola local, então denominada Escolas Reunidas Padre Afonso de Lemos que, além das celebrações das datas cívicas, produzia eventos próprios com a participação do alunado.
A partir da segunda metade do século vinte, tudo isso foi se esfumaçando até desaparecer completamente. Da onda de incultura avassaladora, praticamente, nada escapou! Não só a cultura do fazer, do celebrar com base no espírito da criatividade se declinou, porque a toponímia (nomes de lugares, ruas, praças, bairros, cidades, etc.) local também foi atingida. Foi assim que Rua do Rego, Rua da Fonte Fora, Praça do Bom Despacho, Rua (antigo beco) do Lobo, tiveram seus nomes trocados por outros fora do contexto histórico; nada contra a homenagem a pessoas gradas, falecidas, que poderia ter sido feita, dando seus nomes a logradouros ainda não batizados. A troca de nomes representa, sempre a perda de referências históricas.
Veja-se a Rua do Rego, que não implica em nenhuma intenção pejorativa ou chulice, porém de acordo com significado dado por dicionários. O nome deve-se ao fato de a rua ter surgido, espontaneamente, às margens do rego que levava água do açude ao palácio do governador da capitania (local onde se ergue, atualmente, o prédio das freiras salesianas), onde alimentava até um lago artificial. O nome da rua estava, intimamente, ligado às origens de Cachoeira do Campo e ao fato de abastecer residência do governador português – ao contrário do que diz a ciumenta história oficial – não merecendo, portanto sua divisão em duas secções e dois nomes diferentes, fruto da ignorância, incúria e politiquices. Também a Rua Fonte Fora estava ligada a um rego d’água, que descia desde a região da Marmelada (que também trocou de nome), passando por vários quintais até chegar ao da casa, situada na esquina da rua em questão, onde abastecia razoável horta, produtora de hortaliças diversas. Dessa horta, a água já canalizada atravessava a mesma rua para, no outro lado, abastecer uma fonte a servir às lavadeiras de roupa. Como havia uma fonte no terreno particular (o da horta) e outra na rua pública, essa rua assumiu o nome de Fonte Fora, ou seja, fora do terreno particular. O restante dessa água, atravessava outros terrenos até a então Praça do Bom Despacho, atravessando-a por baixo e também a Rua Padre Afonso de Lemos, para ir abastecer outra grande horta do outro lado. Não merecia ter o nome trocado, pois sua fonte muito serviu à higienização e conservação de roupas de boa parte da população. Na próxima semana, falaremos de outros pontos locais, incluindo-se a Cruz dos Monges.