Não pensava tratar do assunto novamente, mesmo porque sofrimento não deve ser acalentado, a menos que se seja masoquista, o que não é o meu caso. Entretanto, tradição e traços da cultura locais, quebrados, forçam-me à evocação de fatos do passado recente que, embora não me saiam da mente, não desejava rememorá-los publicamente.
Pelo segundo ano consecutivo, realizou-se a tradicional procissão da padroeira, Nossa Senhora de Nazaré, ao fim das homenagens anuais, que lhe fazem a comunidade católica, sem a participação, também tradicional, de banda de música. Alijado da banda, depois de sessenta anos de dedicação, por força de injúrias e mentiras, forjadas por indivíduos até então, enganosamente, considerados amigos e companheiros, afastei-me, em definitivo, das bandas de música, evitando comparecimento a evento no qual qualquer delas se apresenta. Entretanto, não quer isso dizer que eu passei a abominá-las; pelo contrário, continuo a admirá-las. Dentro da sociedade civil e na cultura popular, a banda de música é das instituições mais sérias, positivas na formação do cidadão e do desenvolvimento da comunidade, embora não devidamente reconhecida pelos meios oficiais. Não me canso de dizer que boa parte do que sou, como cidadão, devo a banda de música. Saí das bandas de música, mas elas continuam no meu coração! Por causa de alguns lobos infiltrados, não se condena o rebanho!
E é por isso que ouso levantar a voz contra o que considero desmazelo cultural, levando-se em conta não só religiosidade local dentro da fé católica, como também a história cachoeirense, dentro da qual estão as duas bandas, sempre entrelaçadas com os eventos e manifestações de cunho católico. Não se conta a história da paróquia ou da Igreja, em Cachoeira do Campo, sem que nela estejam inclusas suas bandas de música! Se a religião liga o homem a Deus, a música solidifica essa ligação. Por isso a banda sempre esteve presente! Por isso esta manifestação de desagrado pela quebra da tradição secular! Por isso esta manifestação, que é também de desagravo pela substituição da banda de música por gravação do mesmo gênero, o que constituiu uma ofensa a todas as bandas de música, que sempre participaram dos eventos católicos, sobretudo na Região dos Inconfidentes.
Lamentavelmente, conquanto todo o trabalho das bandas de música, voltado para a formação de instrumentistas, prática do companheirismo, do voluntariado, divulgação da música e serviços musicais à comunidade, seus dirigentes nem sempre são conscientes dos direitos inerentes a todas aquelas ações, que se constituem em ramo da educação informal. O trabalho das bandas de música, dentro das comunidades e em prol da promoção de seus cidadãos deveria fazer seus dirigentes cobrar, de pé, os direitos conquistados pelas entidades por si representadas. O que se vê, entretanto, na maioria das vezes, é que se postam de joelhos, cabeça baixa, a aceitar tudo que se lhes impõem, incluindo-se insultos camuflados. A subserviência está enraizada em suas atitudes, fazendo-os atrelados aos caprichos de terceiros, sobretudo políticos, dos quais se julgam devedores. São resquícios de colonizados, que permaneceram na alma do brasileiro, ignorando a independência política do país!
Nos anos oitenta, previ que o culto católico tendia a se recolher exclusivamente ao interior dos templos, eliminando-se as procissões, praticamente as únicas oportunidades, que sobraram para as bandas nos eventos religiosos, outrora grandiosos e a ocupar todo o dia, enquanto a economia local ganhava incremento em torno da festa. O desaparecimento das procissões forçaria a busca ou criação de eventos, pelas próprias bandas que se recusassem ao desaparecimento. A previsão era para um futuro distante, que eu imaginava não alcançar, e, muito menos ver a banda fora do processo, antes que desaparecessem as procissões. Infelizmente é o que está a acontecer! Cachoeira do Campo perdeu noventa por cento do que foi sua cultura sob a vigência da economia de subsistência, assim como não mais detém o poder da criatividade, essa capacidade que a sabedoria popular diz ser tão forte, quanto a necessidade do momento, daí o dito: a necessidade faz o sapo pular! No passado mais distante, com menos recursos e mais dificuldades, problemas eram superados mediante sacrifícios, para que banda de música não faltasse aos eventos religiosos. Era uma questão de honra cachoeirense!
Fica aí o apelo aos de juízo, cidadãos(ãs) de brio, dotados(as) dos mais puros sentimentos inerentes à história e valores locais para que somem, entre si, pensamentos criativos em prol do reparo cultural, que devemos as gerações vindouras.