Há uma sensação no ar, sentida pela humanidade, de que tudo se deteriora e mergulha num grande caos, no qual tudo se extinguirá de uma vez por todas. Essa sensação se deve ao fato de as transformações se efetuarem de forma mais intensa, em tempo mais curto, num mundo encolhido pela comunicação instantânea. Isso gera conflitos próprios da natureza humana, que é portadora da tendência a não mudanças. No fundo, a verdadeira decadência, em franco processo, é a de cunho cultural, tudo a cair do sublime ao medíocre. Mas isso também tem sua razão de ser, pois em dado momento será retomado o sentido ascendente, mediante renovação do espírito humano.
O pessimismo ganha mais proporções também porque o mal, o mau, o negativo fazem mais barulho, ao contrário do bem, do bom do positivo que acontecem ou se realizam, quase sempre, no silêncio. Vejam-se, por exemplo, os dois extremos da vida: o nascimento e a morte. Cabe aqui um esclarecimento quanto à morte que, em si mesma, não é boa nem má, nem positiva e nem negativa; é apenas um fenômeno natural, tal qual o pôr do sol. Ela se apresenta sob o aspecto negativo apenas sob as considerações humanas. Sob essas mesmas considerações humanas, verifica-se que a morte provoca mais barulho, notadamente no caso de personalidades. Ao contrário, nascimentos, em número bem superior ao de mortes, ocorrem debaixo do silêncio, só quebrado no recinto do nascimento pelos próprios recém-nascidos.
À parte de toda maldade (incluindo-se a corrupção), à parte das guerras e da violência humana, muita coisa positiva acontece ou se realiza, às vezes, até mesmo sem que o ser humano perceba. Na interação entre humanos e animais silvestres, mais próximos, tais como aves e pequenos mamíferos, observa-se maior aproximação dos animais em contraposição à situação de há cinquenta, sessenta anos. Animais que não se viam no perímetro urbano, àquela época, hoje é comum sua circulação nos quintais, atualmente reduzidos em tamanho, como consequência do parcelamento do solo e expansão imobiliária. Ouve-se, comumente, a explicação de que tais aves e maíferos estariam à procura de comida, não mais encontrada em seu habitat; que seria consequência do desmatamento, das queimadas, etc.
Penso que, embora a agressão humana à natureza possa provocar a emigração dos animais para pequenos centros urbanos, a explicação para o fenômeno pode estar noutra direção, pois a população desses animais tem crescido, o que não ocorreria, se fosse fome a causa da migração. O ser humano está tão viciado a ver tudo pelo viés negativo que, talvez por isso, lhe escape a percepção do resultado positivo de sua mudança de comportamento. Isso mesmo! A mudança no comportamento humano gera esse fenômeno: os animais estão a perder o medo de estar próximos dos humanos! Da minha infância e adolescência, guardo na lembrança a presença discreta do canário “chapinha” ou “cabeça-de-fogo”. Passarinheiros estavam sempre à sua caça mediante alçapões e outras armadilhas. De repente, o canarinho sumiu da vista humana. Voltou nos últimos anos com presença altamente numerosa e tão marcante, a ponto de ciscar aos nossos pés, à semelhança de pintinhos! Em contrapartida, os incômodos pardais estão a desaparecer! O caso do canário não é o único entre aves de pequeno porte. Aves maiores como a garça, o marreco selvagem, a pomba-trocal, o jacu e até o tucano (o verdadeiro) também são vistas com frequência. Entre mamíferos, destacam-se micos e esquilos, estes solitariamente e aqueles em bandos antagônicos, a “guerrear” nos quintais por onde circulam.
No passado, um desses animais ou aves que se aventurasse na área urbana podia encontrar pela frente um bodoque, quando não uma espingarda, conforme testemunhei nos casos de três micos e de uma garça, abatidos a tiro; os micos em grande árvore na Rua Santo Antônio e a garça, em pequeno lago formado por chuva na voçoroca que, antes, havia atrás do Oratório Dom Bosco. Ao contrário da falta de opção, na busca de comida, a aproximação dos animais se deve à imagem mais amigável, que os animais formam dos humanos. É ponto ganho na relação com a natureza. depois de abandonar a prática da caça! A aproximação dos animais silvestres é para se comemorar e não lamentar!
Aos primeiros sinais do dia, quando saem dos ninhos, grupos de pequenos pássaros, incluindo-se canários, seguem à minha frente, vencendo o espaço com sucessivos voos curtos, à semelhança de saltos, como se estivessem a brincar comigo. Isso não acontecia no passado… não mesmo!