Quem acompanha o raciocínio, até aqui, conclui, sem sombra de dúvidas, que o cidadão fora de partido não tem direitos políticos e que, também, o povo não exerce nenhuma soberania e, portanto, não tem nenhum poder nisso que rotulam democracia. Ah! – exclamarão aqueles que estão por cima – mas o povo é livre, há completa liberdade de imprensa (há controvérsias), há liberdade de expressão, direitos do cidadão são respeitados (nem sempre) e coisa e tal.
Acontece que democracia, de acordo com seu conceito, bendito e louvado, consiste em “o poder pertence ao povo” ou “povo no poder”; e isso não acontece. As benesses citadas não constituem a democracia em essência, porém acessórios naturais daquele regime, matreiramente liberados pelo sistema vigente para que pareça democracia. O povo tem os acessórios e deles se vale, assim como dentro de um carro de luxo estacionado, mas não tem as chaves para conduzi-lo. Quem conduz o veículo e leva o povo para onde quer é o partido dominante. O povo é apenas passageiro, que não sabe para onde vai!
Por não pensar, politicamente correto, porém aceitar o que lhe dizem de cima para baixo, enquanto se ocupa com trivialidades, o povo acredita e segue seu rumo a lamuriar. Dizem que o povo detém o poder, mas os que se intitulam seus representantes aprovam projetos à revelia da vontade e da situação do mesmo povo. Ainda há poucos dias, sem qualquer discussão, parlamentares federais aprovaram reajuste (16,38%) para o Judiciário, elevando o teto para mais de 39 mil reais e deflagrando o chamado efeito cascata em toda a máquina pública brasileira. Tal aumento em hora tão difícil foi um insulto ao povo, do qual grande parte está desempregada ou sub empregada, enquanto a parte empregada só tem aumento de despesas. Ele não teria sido concedido se, de fato, o povo estivesse no poder, como pressupõe o conceito de democracia.
Reajuste de subsídios (agentes públicos não têm salários), para ser justo e coerente com a situação do país, deveria ser feito mediante fórmula matemática com base nos índices econômicos. Se esses números caíssem, os subsídios também cairiam, assim como o povo perde poder aquisitivo por força da inflação. Dessa forma, toda a máquina pública poderia estar melhor resguardada contra a ineficiência, já que de sua graduação passaria depender a evolução dos subsídios a serem pagos aos agentes públicos. Em qualquer patamar da pirâmide governamental, seus agentes passariam a gerir a coisa pública com mais seriedade; não mais se arriscariam a jogadas com possibilidade de quebra na economia, porque nem eles escapariam dos efeitos negativos. Tal fórmula matemática, a controlar subsídios das administrações municipais à administração federal, seria para o povo a garantia contra o corporativismo, na área pública, e o abuso de poder na majoração de subsídios.
Infelizmente, a imposição de tal controle, sem antes mudar o sistema político vigente, é praticamente inviável. Os que detêm o poder, descontadas raras exceções, especialmente na área legislativa, colocariam obstáculos para sua adoção ou armariam algo na lei para facilitar a burla, assim como se faz em muitos outros casos. Lembremo-nos de que eles ouvem seus respectivos partidos e não ao povo, do qual receberam a votação mediante a qual lhes foi outorgado o mandato. Os partidos, por sua vez, têm por fim a conquista e a manutenção do poder, para o que podem, não necessariamente, incluir como meio de atingir aqueles objetivos, a defesa dos interesses coletivos e solução de problemas inerentes, desde que isso lhes convenha. Não lhes importam os problemas do povo, mas, sim, os meios de se manterem no poder. Para os partidos políticos, carências e necessidades coletivas são recursos que, bem manipulados, se convertem em fonte inesgotável de votos ao longo do tempo.
Veja-se a situação da Região Nordeste, sempre carente de meios para se desenvolver, em decorrência das condições climáticas. Nada se faz para compensar a inclemência climática! Até hoje, a ação política para socorrer aquela população maltratada pela falta d’água tem consistido em tão somente paliativos demagógicos, cujo objetivo político é a postergação da solução, ou seja, empurrar o problema com a barriga. Quantos políticos, ao longo dos anos, já se alimentaram daqueles votos, dados em resposta a falsas promessas! Famílias inteiras de políticos passaram e ainda passam pelo poder graças à miséria, bem explorada, do Nordeste brasileiro! Alguns dirão que foi feita a transposição de águas do Rio São Francisco e que ela solucionou o problema. Refuta-se a transposição como solução plena e definitiva, porém, meia-boca, pois boa parte da população, especialmente a rural, ainda continua sem água. Além disso, retirar água do combalido Rio São Francisco foi, na linguagem popular, desvestir um santo para vestir outro.