Recentemente, enquanto acompanhava casal, em viagem de negócios a Ouro Preto, fui surpreendido pela observação de que o casario da cidade se apresentava muito bem cuidado, belamente pintado, e, que isso deveria custar um bom dinheiro à administração municipal. Em se tratando de pessoas bem situadas economicamente e, presumivelmente, bem informadas, a observação me fez acender a luzinha de alerta sobre o que paira nas cabeças dos que vivem alhures, sabem de Ouro Preto por ouvir falar, veem eventuais propagandas sobre a cidade ou fazem a ela rápidas visitas, sem obter informações mais aprofundadas.
Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e detentora do título “Patrimônio Cultural da Humanidade”, a cidade de Ouro Preto pode parecer a muitos que sua população tem o privilégio de ter o poder público com a obrigação de conservar os imóveis. Se fui surpreendido pela observação, menos surpreso não ficou o casal com a minha resposta e explicação, pois tinham como certa a responsabilidade do poder público sobre a conservação dos imóveis.
A cidade de Ouro Preto talvez já tivesse desaparecido ou estivesse próxima disso, se tivessem persistido as condições socioeconômicas vigentes até os anos sessenta, quando seu aspecto era deplorável, mantendo-se as aparências frontais, em contraste com a franca deterioração dos fundos. O casario se recuperou graças aos esforços da população, à medida que situação socioeconômica, em toda a região ganhou alento. Do poder público não veio nenhuma ajuda, para que tal recuperação se fizesse. Passaram a vir, sim, muitas exigências, algumas até ridículas, e, ultimamente, fez-se uma nova “derrama” sob a forma de IPTU, uma espécie de “prêmio” pelo zelo dos proprietários. É assim que tem acontecido. O cidadão do distrito-sede se sacrifica para ter um casario apresentável aos olhos do visitante, mas quem leva o crédito é o poder público.
Se bem analisada a história real, não a oficial, vê-se que isso tem sido uma constante para a população da cidade. A preservação de suas características, mais ou menos, originais, é creditada aos decretos municipais, ainda nos anos 30 século 20, e o federal que a erigiu em Monumento Nacional. Sem desmerecer os atos políticos, mediante a legislação citada, quem mesmo preservou a cidade da descaracterização foi o povo, que se viu abandonado à própria sorte pelo governo estadual, ao transferir a capital, em 1897. A legislação se fez em cima da situação de fato: a cidade estava preservada em suas características por falta de condições para alterá-las. Se preservada estava, por falta de condição, a partir das leis deveria ser preservada por obrigação!
Como a história é escrita pelos vencedores, da transferência da capital, ficou registrado apenas que houve resistência por parte da população, mas quanto à situação de penúria da mesma, que ficou para trás só ficou o registro oral. A República, que engatinhava e balbuciava suas primeiras vontades, somou a necessidade de transferência da capital à birra votada contra tudo que lembrava a monarquia: a antiga capital ostentava o título de Cidade Imperial de Ouro Preto, desde 24 de fevereiro de 1823. Como sempre, quem pagou pela questão política foi o povo, que ficou sem eira nem beira, depois de tantos anos a ter a glória e o poder junto de si. Suas atividades econômicas e grande parte dos habitantes, que giravam em torno da máquina governamental, foram embora. Ficaram as duas instituições federais, Escola de Farmácia e Escola de Minas, em meio à população perdida!
Reconhece-se, hoje, que a cidade não mais oferecia condições para sediar o governo. Entretanto, à vista do que a máquina governamental representava para a vida da população, tudo a girar em torno daquela, não se concebe, atualmente, que o Estado faça o que fez, em 1897. Cometeu-se um ato de covardia contra uma população indefesa ou, pior, cometeu-se um crime, que ficou impune! Depois da covardia contra o soberano, venerado pelo povo, os republicanos entenderam de apagar também seus rastros, razão pela qual talvez tivessem pensado em apagar Ouro Preto do mapa com a transferência da capital. Para surpresa dos novos donos do poder, a considerada herança maldita abrigou a miséria abandonada, uma população “mártir”, que resistiu e não deixou que a cidade desaparecesse. Se não tinha forças para transformá-la, a população restante soube conservá-la por brio e necessidade da sobrevivência. Foi assim que cidade de Ouro Preto se preservou da incúria republicana! A população restante verteu lágrimas, suor e sangue que, acumulados aos de sua História anterior, deram sustentação à relíquia, politicamente, rejeitada na transição das ideias. Graças ao heroísmo da população restante, em 1897, que a cidade de Ouro Preto ainda sobrevive e se recuperou aos olhos dos que a visitam; não foi em decorrência de decretos, leis ou de qualquer favor político!