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Ponto de Vista do Batista
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Tempo em que donas de casa cantavam II

Nylton Gomes Batista

A vida nas pequenas localidades seguia um ritmo comum, mas cada uma guardava características próprias que as distinguiam. Todas enfrentavam dificuldades proporcionais à distância dos centros mais desenvolvidos. Cachoeira do Campo, por exemplo, era, nos anos 1940, um “brocotó” perdido nos cafundós de Minas. 

No entanto, contava — e ainda conta — com duas bandas de música fundadas em meados do século XIX, talvez influência remota dos saraus literomusicais realizados no palácio residencial do governador da capitania das Minas Gerais, no período colonial. Graças a elas, mantinha-se a saudável tradição das serenatas. Estava-se no melhor dos sonos, quando o silêncio da noite era preenchido por melodias que pareciam brotar espontaneamente. Considerada uma homenagem aos moradores, a música era suave, quase um acalanto, muitas vezes com participação das esposas dos músicos, cantando ou tocando violão e violino. 

Durante o dia, especialmente à tarde, após a jornada de trabalho, era comum ouvir instrumentos espalhados pela localidade: uma clarineta aqui, um trompete ali, e mais distante o som de um saxofone. A presença dos salesianos, congregação religiosa de origem italiana, também deixou marcas na cultura local, inclusive nos nomes pessoais. João Bosco, Maria Auxiliadora, Margarida, Maria Mazzarello e Domingos Sávio tornaram-se frequentes na região. 

Da mesma origem, o teatro ganhou vida em Cachoeira do Campo. Na época, a cidade contava com três salas: Colégio Dom Bosco, Oratório Festivo e Orfanato Nossa Senhora Auxiliadora, todas com palcos equipados para troca de cenários. Os auditórios do Dom Bosco e do Orfanato tinham cadeiras individuais com assento dobrável, enquanto o Oratório dispunha de bancos simples. Havia diversos grupos atuantes, entre eles o “Grupo Dramático Santa Cecília”, da União Social. Também havia quem escrevesse para teatro, como o saudoso farmacêutico Arnaldo Bastos, autor de uma comédia semelhante à “Escolinha do Professor Raimundo”, muito antes da televisão. 

Quando se discutia o destino do antigo colégio, sob o lema “O Dom Bosco é Nosso”, muitos criticaram os salesianos, alegando que nada teriam feito por Cachoeira. Mas só a atividade cultural que promoveram já seria suficiente para calar os que muito falam e pouco pensam. O Oratório Festivo, por sua vez, mereceria não apenas um capítulo, mas um livro inteiro para descrever sua contribuição à formação do cidadão cachoeirense, por meio da educação informal ministrada.

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