Imagem da lama nas casas. Imagem: Rogério Alves/TV Senado / Marcos Delamore
Dez anos, 19 vidas perdidas, 49 municípios afetados, 60 milhões de metros cúbicos despejados na natureza, reservas indígenas e comunidades inteiras atingidas pela lama, e nenhum responsável condenado. Esses são os principais números da maior tragédia socioambiental do país, que completa uma década. Era 15h30, do dia 5 de novembro de 2015, quando a barragem de Fundão, da Samarco, se rompeu em Mariana, na Região Central de Minas Gerais.
O que se viu foi destruição e morte. Nada se ouviu. A onda de lama causou danos irreparáveis e deixou um rastro de devastação em toda a bacia do Rio Doce e no Oceano Atlântico. Nesses dez anos, os reflexos, até então incalculáveis, ainda são visíveis nas vidas de quem foi impactado pela atividade minerária.
Uma líder comunitária de Bento Rodrigues conta as cicatrizes que marcaram o dia 5 de novembro. “Moradores, que moraram a vida inteira, estavam no dia do crime e sobreviveram por milagre, não estão tendo seus direitos resguardados”, narrou.
A Justiça e a Tragédia de Mariana
Em novembro de 2024, completados nove anos da tragédia, a Justiça Federal absolveu as empresas mineradoras e outros envolvidos no processo criminal. A denúncia alegava acusações de danos diretos do rompimento, como mortes, lesões corporais e danos ambientais.
A juíza federal substituta, Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, sustentou que a decisão em prol dos acusados, baseada em documentos e evidências, não apontava para as responsabilidades individuais para o rompimento da barragem. “Impor ao Direito Penal um papel central na gestão de riscos extremos nem sempre é útil, adequado e racional. Quando um risco se concretiza em uma catástrofe colossal, os esforços da investigação deveriam ser prioritariamente dirigidos a descortinar as razões de ordem técnico-científicas que determinaram o evento, para que ele jamais volte a ocorrer”, afirmou.

Ela ainda mencionou que, “no âmbito do processo penal, a dúvida — que ressoa a partir da prova analisada no corpo desta sentença — só pode ser resolvida em favor dos réus”, concluiu a magistrada.
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso diante da decisão, destacando que as omissões e as falhas coletivas influenciaram na crescente dos riscos operacionais da barragem. Além disso, defende que as empresas e seus executivos estavam cientes dos problemas estruturais e que crimes ambientais são originários de uma complexa estrutura organizacional.
“É com este paradigma que deve ser analisada a responsabilidade individual nos delitos praticados no seio de grandes empresas, de estrutura complexa, como a Samarco, buscando identificar as pessoas naturais que falharam em suas competências permitindo o rompimento da barragem de Fundão”, disse o procurador da República Eduardo Henrique de Almeida Aguiar.
A Samarco e as empresas acionistas Vale e BHP ressaltaram que “a decisão da Justiça Federal brasileira reflete a defesa e os fatos apresentados no processo e confirma que a empresa sempre agiu de acordo com a legislação vigente”.
O MPF acusa os réus de crimes como 19 homicídios qualificados (correspondentes às vítimas fatais do desastre), poluição qualificada, inundação, desabamento e crimes contra fauna, flora, ordenamento urbano e patrimônio cultural.
Quase um ano após a apresentação do recurso, a Justiça ainda não analisou e deferiu um posicionamento. O procurador da República reforçou a importância do rápido julgamento para que justiça seja feita nesse caso. “Foi mais do que um crime ambiental, foi uma séria violação dos direitos humanos, que se perpetuou ao longo do tempo”, ressaltou.
Acordo entre mineradoras e o Poder Público
As mineradoras Samarco, Vale e BHP e o Poder Público firmaram um acordo, no montante de R$ 170 bilhões, para a reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem.
A Samarco aplicou cerca de R$ 32 bilhões desse recurso no pagamento de indenizações individuais, reassentamentos e recuperação do meio ambiente.
O novo acordo de repactuação, determinado pelas empresas mineradoras no Brasil, não foi aderido pelas cidades históricas de Mariana e Ouro Preto, uma vez que não indica os verdadeiros e totais impactos no município e por não viabilizar uma quantia justa de indenização. O valor final do acordo, em caso de desistência do processo, para todos os municípios atingidos seria de R$170 bilhões.

“A não adesão de Mariana significa que o município não concordou com os valores que as empresas ofereceram para a Prefeitura Municipal”, explicou o prefeito.
A expectativa dos municípios da Região dos Inconfidentes é de uma sentença positiva, fiel aos danos causados, e o recebimento do montante a ser pago pela BHP Billiton, em caso do julgamento a responsabilizar pelo desastre.
Justiça Inglesa segue com o processo
Uma ação movida contra a BHP segue em andamento, desde 2018, na Justiça Inglesa. Considerada uma das maiores ações coletivas da história, o caso é movido por 620 mil pessoas, 46 municípios e 1,5 mil empresas afetadas no Brasil, que pedem uma indenização de R$260 bilhões.
Para o atual prefeito de Mariana, Juliano Duarte (PSB), o rompimento da barragem é um crime incalculável. “Essa luta representa uma luta por justiça ambiental e por justiça social. Mariana ainda não teve a sua justa reparação e seguimos em busca de justiça com o escritório inglês, em uma ação em Londres, para que possamos virar essa página e fazer investimentos em nosso território”, pontuou.
O Tribunal Superior de Londres, na Inglaterra, recebe as últimas audiências do caso, que abordaram os procedimentos para a segunda fase do processo da tragédia de Mariana na Justiça inglesa. Se o parecer for favorável aos atingidos, a Vale será responsabilizada a arcar com 50% do montante a ser pago.
Juliano Duarte aponta que os principais prejuízos sofridos pelo município foram no tocante à saúde pública, à empregabilidade e ao meio ambiente. “Temos certeza que iremos vencer. Não está sendo fácil. São anos de luta, mas, no final, valerá a pena”, declarou Juliano Duarte.
O desastre
Mariana, 5 de novembro de 2015. Eram mais de 15h, quando um colapso na estrutura da barragem do Fundão culminou na liberação de aproximadamente 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e sílica sobre o meio ambiente. A barragem, de propriedade da Samarco Mineração S/A e controlada pelas empresas Vale S/A e BHP Billiton, estava situada no Complexo Industrial de Germano, no subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG).
Após o rompimento, a grande onda de lama soterrou vidas, sonhos, direitos, comunidades e municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. O material liberado também atingiu vegetações e animais, até atingir o Rio Doce, percorrendo 663,2 km dos 853 km de extensão do curso natural, e o Oceano Atlântico. Cerca de 1.500 hectares de vegetação foram devastados, incluindo Áreas de Proteção Permanente.
Para Juliano Duarte, prefeito de Mariana, o sentimento, ao longo desses dez anos, é de tristeza. “Eu não falo tragédia, falo crime. Nós estamos falando de dois distritos que sumiram do mapa, 19 pessoas que perderam as vidas”, expôs.

Ele ainda informou que as consequências foram enormes para a economia e os demais setores da cidade.
“Muitas empresas fecharam as portas, muitas pessoas ficaram sem emprego. O município chegou a um índice de desemprego próximo a 30%, o que nunca aconteceu na sua história. Vários serviços públicos foram paralisados porque o CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral), que é o principal tributo do município de Mariana, também paralisou com o rompimento da barragem”, disse o chefe do executivo municipal de Mariana.
As primeiras vítimas foram os próprios colaboradores da empresa Samarco, que realizavam trabalhos nas imediações do complexo. Ao todo, 19 pessoas morreram e centenas ficaram desalojadas. Casas, propriedades rurais e bens patrimoniais das comunidades também foram destruídos. Mais de duas milhões de pessoas foram atingidas direta e indiretamente pelo grande volume de rejeitos.
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) defende direitos da população
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) é um movimento social cujo objetivo é estruturar e coordenar os atingidos para defender os direitos da população.
Para Letícia Oliveira, coordenadora do MAB, a luta dos populares não irá parar. “É uma situação que preocupa muito o movimento. Ao invés dos problemas serem resolvidos e as pessoas terem moradia definitiva e organizada, e a retomada da vida, as empresas querem renovar esse crime e violar os direitos dos atingidos e atingidas”, destaca Oliveira.
Atos públicos
Entre os dias 5 e 7 de novembro, o Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), vinculado à Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), é palco do seminário “10 anos de um crime”, com discussões em torno da memória e dos impactos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana.
Professores e pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da UFOP conduzem a iniciativa, que contará com representantes de instituições de ensino e pesquisa, comunicadores, estudantes, organizações da sociedade, de defesa dos direitos humanos e da sociobiodiversidade, e movimentos sociais.
A Frente Mineira de Luta das Atingidas e dos Atingidos pela Mineração (FLAMa – MG) é outra instituição que realiza atividades em alusão ao impacto da mineração no Brasil. O 7º Encontro Regional por um Novo Modelo de Mineração e a 7ª Jornada Universitária por um Novo Modelo de Mineração acontecem durante todo o mês de novembro.
A Cáritas MG – ATI Mariana realizará uma programação especial em memória aos 10 anos do rompimento, que ocorrerá entre os dias 3 e 28 de novembro, em Mariana, Ouro Preto e Belo Horizonte.
● 5 de novembro – Momento Solene Mariana 10 Anos, em Bento Rodrigues, e Ato Toque da Sirene, na Praça Gomes Freire;
● 8 e 9 de novembro – 8ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce.
