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Trágico ou cômico?

Por Valdete Braga
Este fato aconteceu há dois anos, mas nunca esteve tão atual.
Eu chegava cansada, suada, derretendo sob um calor insuportável, quando uma mulher me parou no portão de casa, com um menino de aproximadamente 10 anos de idade. 
Apresentou-me a lista de material escolar do filho, falou de como está tudo tão caro, e pediu-me ajuda. A mulher falava bem, explicou que só estava pedindo porque as coisas estão realmente difíceis, e que sem ajuda não teria como comprar a lista toda.
Peguei o papel e, por uma coincidência (ou não), quando comecei a ler, ouvimos um sinal, o garoto enfiou a mão no bolso da bermuda, tirou um aparelho celular, tablete, smartfone, ou sei lá o que, e começou a teclar, com a maior naturalidade. 
Não sei se estava jogando, enviando mensagem, só sei que enquanto eu fiquei com cara de tacho e uma folha de papel na mão, a criança continuava ocupadíssima, com um aparelho muito mais moderno do que o meu.
Passada a surpresa, eu devolvi a folha e falei para a mãe que aquela lista, com certeza, ficaria mais barata do que o celular do menino. 
Pode uma coisa dessas? Uma criança de 10 anos tem um aparelho comunicador, sei lá o nome, e a mãe precisa pedir ajuda de estranhos para comprar seu material escolar. 
Ela ficou sem graça com o meu comentário e tentou se explicar, mas a emenda saiu pior do que o soneto. Segundo ela, o aparelho havia sido presente do pai. Ora, o pai pode dar um celular, ou tablete, ou smartfone, e não pode dar o material escolar?
Eu já estava caindo no papo da mãe necessitada, e o mais triste é que ela mesma parecia convencida disto. Para aquela mãe, o aparelho por mim não identificado é prioridade sobre o material escolar do filho. 
Claro que, para o garoto, são mais interessantes os jogos e trocas de “msg” com os amiguinhos do que um monte de cadernos, livros, pastas, lápis, essas coisas chatas que os chatos dos professores pedem para usar em aulas chatas. 
O garoto foi tão inocente no episódio, que atendeu e ficou respondendo seja lá o que for, com a maior naturalidade.
Criança é criança, e não só pode, como deve, ser infantil. Mas pais que presenteiam crianças com aparelhos de última geração e pedem ajuda para comprar cadernos, estarão preparados para serem pais? 
Quando os dois seguiram caminho e eu entrei em casa, fiquei pensando se o fato era trágico ou cômico. 
Até agora não me decidi.

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