Ah, Marlene…
Sobrevivente a uma pandemia. Sobrevivente aos dissabores da vida, pelos quais todos passamos, sobrevivente à fragilidade do corpo físico, com a força do intelecto. Sobrevivente, convivente, vivente.
Estudou, cursou, ensinou. Professora de três gerações que viam no professor um mestre, quando “mestre” era muito mais do que uma palavra.
Foi minha professora em uma época em que ser irmã de mestra era responsabilidade dobrada. No meu caso, então, era ainda pior, pois, pelo cúmulo do azar, sempre tive muita dificuldade em matemática e sempre gostei muito de português. Como assim, “passar raspando em matemática e só “notão” em português? Ah, marmelada, a mestra “deu nota”, claro.
A aluna-irmã de onze anos de idade se revoltava “ por que eu não posso tirar nota boa?” Era uma época em que não havia tantas matérias no curriculum e os carros chefe eram português e matemática. A aluna criança (na época, ter onze anos era ser criança) desejava ter facilidade também com matemática ou talvez ter outra professora de português. Ah, mas se fosse outra professora, talvez o aprendizado não fosse tão bom!
Em um concurso de redações, o texto da aluna irmã foi transferido para correção por outro professor, “para não dar motivo”. Lembro-me até do tema da redação, interpretação do filme “Ao mestre com carinho, com Sidney Portier. Nota máxima com louvor, corrigida por dona Elinor, mestra da mestra, ícone da educação em Ouro Preto. Bem feito para os colegas desconfiados!
Assim era Marlene, rígida e justa, mestra que reprovava se preciso fosse (outra diferença para os dias de hoje, professores podiam reprovar os alunos, se fosse preciso, e nada de papais dodóis irem reclamar) mas se esforçava ao máximo para aprovar.
E eu, aluna-irmã criança, no meio disto tudo, às vezes revoltada, às vezes orgulhosa, na realidade dos meus onze anos de idade. E assim seguiram os doze, treze, e quatorze, até a formatura do ginasial. Não tinha jeito, Marlene era professora de todo mundo!
Bons tempos que passaram rápido, dando lugar a outros, igualmente bons. Das várias escolas à Caixa Econômica Federal, da Caixa Econômica ao Banco do Brasil, casamento, filhas, neto, e um dia tudo acaba.
Assim é a vida, acaba para todos. Acaba aqui, para continuar muito melhor em outro Plano, igualmente melhor.
Marlene partiu em 28 de janeiro de 2023. Foi antes de uns e depois de outros, seguindo o fluxo da vida, e agora está com nossos pais. Encontrou-os lá em um mês de janeiro, assim como os encontrou aqui em um longínquo mês de dezembro.
Ah, Marlene, longínquo nada, o que é o tempo? Ontem eu era aquela criança sua aluna, hoje escrevo pra você, com um até um dia. Fique bem e dê um beijo em pai e mãe aí por mim.
Foto do início dos anos 2.000. Ao fundo a querida amiga Isabel.