Aconteceu em meados de 1800. Uma escrava alforriada vivia nas imediações de Vila Rica, em uma fazenda, com os avós, também alforriados. Dos pais não tinha notícias, uma vez que foi separada deles ao nascer. A mãe foi vendida como mucama para uma família abastada de Vila Rica, e o pai foi trabalhar no campo. Foi criada pelos avós, que trabalhavam em uma fazenda na região do hoje distrito de Santa Rita, e, quando não tinham mais idade para produzir, os seus patrões, na época denominados “donos”, pessoas de bom coração, deram-lhes um pequeno pedaço de terra com uma cabana para morar. Gratos pelos serviços dos ex escravos e por eles, devido à idade avançada, precisarem de alguém que lhes cuidassem, concordaram em alforriar também a adolescente, que com eles foi morar.
Assim cresceu Rosa, livre ao lado dos avós maternos, mas sem liberdade para frequentar a sede da fazenda ou sequer ir à imponente cidade de Vila Rica, devido à cor de sua pele. O avô sempre a prevenia de que uma adolescente negra nas ladeiras da cidade seria problema na certa e assim ela permanecia o tempo todo na cabana, ao lado dos avós. Quando, raramente, ia até a cidade, acompanhada pelo capataz da fazenda, ficava encantada com os casarões e a majestade daquele lugar. Fazia perguntas, queria saber a história das igrejas e casarões, e o capataz pacientemente explicava tudo àquela jovem curiosa.
Alguns dias depois que Rosa completou dezoito anos, o avô veio a falecer. O sofrimento da menina foi enorme, e após alguns meses, a avó seguiu o companheiro de tantos anos. Os colonos diziam que ela morreu de tristeza e Rosa acreditava nisto.
Pouco tempo se passou e o dono da fazenda foi até a cabana, e disse que ela não podia continuar ali.
– Mas para onde eu vou? Não tenho ninguém, sou alforriada, mas ninguém oferece emprego a uma mulher negra. Por favor, deixe-me ficar, nem que seja como escrava.
– Lamento muito – respondeu o fazendeiro. Você já está adulta e minha esposa não quer que eu fique sustentando você, sem os seus avós por perto. O povo iria falar.
Em seguida, estendeu a mão e deu à jovem uma moeda de prata. “Junte as suas roupas e leve esta moeda de prata para sobreviver, enquanto não conseguir emprego em alguma fazenda da vizinhança” – disse, e foi embora, sem olhar para trás.
Com lágrimas nos olhos, Rosa embrulhou as poucas roupas que tinha em uma trouxa e seguiu caminho. Porém, sem saber como ou porque, seus pés a guiaram exatamente para o centro da cidade, uma cidade que mal conhecia, onde o avô sempre recomendava que não fosse sozinha. Não era mais uma adolescente, já era uma mulher adulta e saberia se defender. Alguma coisa, ela não sabia o que, guiava os seus passos.
(Continua na próxima edição)