Caio era o típico “bom vivant” dos anos 50. Filho de uma das mais tradicionais famílias de Ouro Preto, o rapaz vivia para serestas, mulheres e bares. Já com 28 anos, a mãe, senhora austera e muito religiosa, sempre dizia que já era hora do filho “criar juízo” e constituir família, mas ele ria e dizia “mãe, com tantas moças lindas no mundo, por que prender-me a uma só?”
A mãe acabava desistindo. O filho era um bom rapaz, amoroso e muito cuidadoso com ela, desde que ficara viúva. O pai de Caio faleceu quando ele era muito jovem, e deixou uma fortuna considerável para que os dois vivessem de renda a vida inteira. O filho teve uma boa educação, formou-se em engenharia na Escola de Minas, e mesmo nunca tendo precisado trabalhar, mantinha um ótimo relacionamento com os antigos colegas. Era respeitoso com todos e muito querido na cidade.
Naquele ano, devido a alguns contratempos no calendário, a formatura da Escola de Farmácia seria em plena Quaresma. Na época só havia em Ouro Preto dois cursos, Engenharia e Farmácia, e eram escolas separadas. Caio sempre participava das festas, ajudava nos preparativos, chegando a ser homenageado mais de uma vez. Chegou a ser convidado para dar aulas, mas não se via como professor, com as responsabilidades inerentes ao cargo. A vida era muito boa assim, sem maiores responsabilidades.
Vendo-o preparar-se para uma das reuniões da comissão do baile, a mãe chamou-o, preocupada.
– Meu filho, vai ter baile este ano?
– Claro, mãe, que pergunta – ele riu. Pois não tem todos os anos?
– Mas no meio da Quaresma, meu filho? É pecado. Tente convencer os organizadores da festa a adiarem.
Com um sorriso, Caio abraçou carinhosamente a mãe e disse que isso não era possível, que tudo já estava preparado e que ela não precisava se preocupar, que não era pecado, pois foram as circunstâncias que levaram a festa a ser naquela época.
Doma Margarida olhou séria para ele e falou:
– Façam a festa sem o baile, então. É perigoso. Durante a Quaresma, as almas que ainda não encontraram o caminho, ou deixaram algo pendente, ficam andando pelas ladeiras da cidade. Temos de respeitar.
Contendo o riso para não magoar a mãe, o moço reforçou que ela não se preocupasse, enquanto interiormente já se imaginava contando aquela história para os amigos e todos dando gargalhadas. Ouro Preto tem cada uma!