Disse isso, saiu da sala, e logo voltou com um álbum de fotos da família. Sentou-se ao lado de Caio, folheou o álbum e parou em uma página com uma foto de Helena, exatamente como estava no baile, com o mesmo vestido e o cabelo preso no coque que emoldurava seu rosto. Disse:
– Meu jovem, você precisa ser forte para ouvir o que vou lhe dizer. Esta moça da foto foi nossa única filha, Helena. Ela iria se formar em Farmácia, no ano passado. Esta foi a última foto que ela tirou, quando foi provar o vestido e penteado que usaria na festa. Três dias antes da formatura, amanheceu com uma febre muito forte. Nós a levamos ao médico, que não conseguiu dar um diagnóstico, e mandou interná-la. No hospital, ela teve pneumonia e morreu exatamente no dia em que seria a sua formatura. Eu e minha esposa ainda não conseguimos nos conformar. Acredito em você, porque sonhei com minha filha esta noite, e em sonho ela me disse que finalmente estava feliz.
Caio não tinha palavras e, vendo a sua confusão, o pai de Helena aconselhou-o:
– Eu sei o quanto deve ser difícil para você acreditar. Só um choque de realidade pode fazer isto. O corpo de nossa filha está enterrado no cemitério da igreja de Mercês e Perdões. Em sua lápide, mandamos colocar, em pintura, cópia desta foto. Vá até lá e compreenderá o fenômeno que lhe aconteceu.
Caio saiu daquela casa completamente transtornado. Caminhou pelas ruas como um autômato, parecia um zumbi, não via nada nem ninguém e as pessoas por quem passava achavam que estava bêbado.
Assim, cambaleando, chegou ao portão do cemitério, entrou e caminhou entre as lápides bem cuidadas e com flores. Arregalou os olhos quando deparou com uma, exatamente como o senhor Vicente havia descrito. Uma lápide em mármore, muito bem cuidada, apresentava a foto. A mesma foto, o mesmo vestido, o mesmo cabelo, o mesmo sorriso, a mesma Helena. Próximo à foto, muito bem dobrado, e ainda úmido da garoa da noite anterior, Caio deparou, boquiaberto, com o seu paletó.
Chorando, o moço caiu de joelhos. Lembrou-se primeiramente das palavras da mãe: “na Quaresma, almas com assuntos pendentes caminham pelas ladeiras da cidade”, e em seguida das palavras de Helena: “venha buscar seu paletó onde eu moro”.
Finalmente compreendeu. Fôra ele o instrumento para Helena resolver o seu assunto pendente. Ela conseguiu, através dele, realizar o seu sonho, precocemente interrompido, há um ano. Agora ela estava em paz.
Saiu do cemitério com o semblante tranqüilo, diferente do que ali entrara. Coisas que, segundo os antigos, acontecem durante a Quaresma, na cidade de Ouro Preto.
Fim