O Brasil é o país da leniência e da complacência. Facilita, deixa para depois, fragiliza normas, negligencia e estabelece relações de promiscuidade, primeiro passo para a corrupção que leva à irresponsabilidade e à impunidade. A consequência é a falta de rigor no cumprimento de leis e de posturas. Para alguns estudiosos da alma brasileira é um traço herdado da nossa formação histórica, que Mário de Andrade desenhou em “Macunaíma”, mas que muitos outros descreveram com profundidade, entre eles, com destaque, “Raízes do Brasil”, de Buarque de Holanda, e sua definição do “homem cordial” e seu gosto pelo provisório. Além da imensa diversidade cultural brasileira, e variada tipologia humana e social, é fato inconteste que a transigência e a facilitação são práticas incrustadas nas condutas. E, sem dúvida, estão na raiz das tragédias como o incêndio do Museu Nacional, da Boate Kiss, das barragens de Mariana e Brumadinho e o incêndio do Flamengo. Poderiam ser evitadas se normas e leis fossem efetivamente praticadas.
O Brasil tem avançada legislação, com boas e amplas normas para coibir todas as situações de risco humano e ambiental em situações limites. E a Engenharia Brasileira é avançada e já produziu amplo conhecimento sobre segurança construtiva e patrimonial. Igualmente avançado é o conhecimento sobre a geologia de solos e as intervenções e empreendimentos da mineração e seus impactos no rios, matas e ambientes rurais e urbanos. A depredação desses recursos se faz, portanto, por incúria e pelo que se chama de “competitividade espúria”, com redução de custos, em prejuízo do patrimônio natural e social das regiões mineradoras. Os riscos de acidentes, decorrentes desta “irresponsabilidade organizacional”, são suportados pelo lucro operacional.
Esta é a questão básica que o Brasil precisa enfrentar: a leniência para com empreendimentos importantes, como o agronegócio e a mineração, mas que precisam, com rigor e urgência, enquadrarem-se nas normas do uso compatível dos recursos naturais. O controle e a fiscalização governamentais são essenciais. Está claro que processos de licenciamento são frágeis e sabe-se que práticas superadas na construção de barragens foram autorizadas. Mesmo assim, não se evitou que os bens ambientais públicos fossem usados com conhecidos riscos, como mostram os trágicos desastres dos últimos dias, e não só na mineração.
Práticas empresariais irresponsáveis, com a complacência governamental, continuarão a produzir tragédias, até porque são muitas as ameaças existentes. É essencial punir responsáveis, reparar ambientes e amparar atingidos. O Brasil, na sua trajetória civilizatória, precisa superar esta herança da leniência, que se estende como elemento comportamental que atinge toda a sociedade, sem o que teremos muitas outras tragédias, algumas já anunciadas. Esta é, no fundo, a causa dos desastres e que o Brasil precisa eliminar.
*Jornalista (mwerkema@uol.com.br)