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Carta aos Tempos
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Cultura e Civilização

É oportuno lembrar Miguel de Unamuno, filósofo espanhol, reitor de Salamanca, que cita três requisitos para caracterizar como civilizados uma cidade ou Estado: uma universidade, uma orquestra sinfônica e um jornal independente, condições que definem muito bem o papel da cultura na evolução das sociedades. Celso Furtado, que unia cultura e desenvolvimento, diz que “cultura é tudo que eleva e liberta o espírito humano”. Paulo Freire, pedagogo e educador emérito, professa que a educação só se completa quando integrada aos contextos culturais. No mundo tecnológico de hoje, a cultura é que estimula a inovação, a criatividade, a evolução, o conhecimento, a reformulação de modos de vida, a própria ciência, a interpretação do passado e a previsão do futuro, o processo humanizatório, a cidadania plena. Os gregos, sábios pensadores, reconheciam que “a cultura é um fato social, que dá consistência à sociedade em virtude de uma substância espiritual comum” (Ernest Barker, Teoria Política Grega). 

Em 1983, Tancredo Neves, eleito governador de Minas, no ato de posse, cria com José Aparecido de Oliveira a Secretaria de Estado da Cultura. Na conspiração pela superação da ditatura, lidera a luta pelas “Diretas Já”, em 1983/84, e sua articulação trazia o compromisso de criação do Ministério da Cultura, conquista básica do movimento liberalizante e de superação de 20 anos de ditadura. A cultura da “Nova República” abriu espaços para representação oficial de mulheres, negros, indígenas e multigêneros, como também para as expressões da cultura popular e a erudita. Criou-se a Lei Sarney, de incentivo à cultura, extinta por Collor e recriada pela Lei Rouanet, já por Itamar Franco. Garantiu-se o incentivo fiscal à cultura, com participação da iniciativa privada. Ampliou a proteção ao patrimônio histórico e artístico, essencial à personalidade e à identidade de um povo. Garantiu-se o apoio aos instrumentos e linguagens da cultura, o audiovisual, o livro, a música, artes visuais e cênicas.

Nada caracteriza mais retrocessos civilizatórios do que restringir a criação e o fazer culturais e sua expressão. A cultura só se exerce com liberdade, com democracia, com plena cidadania, com a prevalência da diversidade de sonhos e valores de um povo atuante e que busca seu destino. E que precisa de caminhos livres por onde transita o espírito humano. Daí o temor dos ditadores. Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, dizia que quando ouvia a palavra cultura ele puxava a arma. A censura, as restrições ao Ministério da Cultura, à Funarte, à Ancine, às leis de incentivo cultural, às universidades, as dificuldades à produção e difusão culturais, ameaças a artistas e pensadores, refletem um obscurantismo de graves consequências. Sem discordância crítica e a imposição de um pensamento único, vamos a um imobilismo histórico e anencéfalo, que nos incapacita como povo e nação com personalidade distinta. E nos retira deste novo mundo, único e interconectado.

*Jornalista (mwerkema@uol.com.br)

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