Em meio à pandemia, que nos impõe o isolamento, para salvaguarda pessoal e por um ato de responsabilidade para com parentes e amigos, os brasileiros vão revelando sua personalidade, sua educação, sua cultura e suas diferentes formas de viver, sobreviver, conviver e perceber o mundo. E se comportam diferentemente: uns extremamente temerosos do vírus, absolutamente reclusos, não conversam com mais de duas pessoas, não saem de casa; outros, com alguma comorbidade, de doenças mais graves ou pressão alta e glicose elevada, encontram justificativa plausível para seu rigoroso isolamento, uso intenso da máscara, observam o distanciamento, lavam continuamente as mãos, mantém-se no home office rigoroso, e comem “quentinhas”. Mas existem os resistentes, por displicência com a própria vida, por uma certa irresponsabilidade social e até por questões ideológicas, julgando que o covid-19 é coisa dos comunistas chineses.
Mas não deixa de assustar a muitos que ainda persistem nas aglomerações, festas, reuniões por mero divertimento, que afrontam todas as recomendações, determinações, fechamentos e paralisias de atividades não essenciais. E que parecem não acreditam no amplo e volumoso noticiário que, diariamente, em todos os noticiários, revelam o poder de contaminação do vírus, o número de infectados, a penosa condição dos doente entubados, sem contarmos ainda com medicamentos curativos comprovadamente eficazes. E um elevado número de mortes, que mostram que o Brasil é o campeão mundial desta triste estatística.
Como explicam tais condutas? Falta de informação, falta de educação, destemor completo perante a possibilidade da morte penosa, inconsciência da realidade que vivemos, nós e o mundo, desprezo pela vida própria e dos outros, mesmo de parentes e amigos? Ou será que a explicação está na própria personalidade do brasileiro, resistente à condutas sociais de maior civilidade, maior consciência de sua responsabilidade para com a comunidade em que vive. Será que somos todos o personagens do romance “Viva o povo brasileiro”, de João Ubaldo Ribeiro, representantes de uma oligarquia atrasada, rica mas sem humanismo, sem visão solidária, do tipo que só quer levar vantagem em tudo? Ou de tantos outros estudos, e mesmo teses acadêmicas, que afinal, avaliam o caráter do brasileiro ainda como o “Macunaíma, o herói brasileiro”, de Mário de Andrade? A diversidade brasileira explica bastante as diferentes visões do mundo neste imenso Brasil, mas não conseguem explicar ou justificar as condutas de resistência ao vírus, propagadas pela ciência.
Há que reconhecer que não é fácil para muitos o isolamento completo, sobretudo os que dependem, para sua sobrevivência, de manter contatos, abrir seus negócios, estabelecer relações pessoais. Entendo que vários segmentos empresariais, sobretudo o comércio, passam terríveis dificuldades, até de sobrevivência. Até penso que vários segmentos, mesmo os que tem contado direto com públicos, poderiam adotar conduta adequada de preservação sanitária. Mas percebo também que a contenção da fase atual da epidemia, quase sem controle, está a exigir um sacrifício coletivo, temporário, mas que tem que ser um tanto mais radical. Não há outro meio de evitar a grave escalada das mortes no Brasil, até porque o remédio maior contra o vírus, que é a vacinação em massa, ainda vai demorar.
*Jornalista (mauro.werkema@gmail.com)