Há mais de vinte anos, os vivos na meia noite da sexta-feira Santa vestem-se como mortos para assombrar Mariana. Uma composição mística e teatral: bumbos e matracas evocam os sussurros daqueles que passam pelo caminho. Todos paramentados como almas, de túnicas brancas e velas e ossos às mãos. Esse ano não foi diferente. Tendo como início e fim a Igreja da Arquiconfraria, na Rua Dom Silvério, a Procissão das Almas cumpriu seu traslado.
Quem organiza esse espetáculo de medo, beleza e tradição são os componentes do Movimento Renovador e da Academia Infanto-juvenil de Letras. Dentre outras coisas, esses agentes se preocupam com o resgate cultural no município. A animadora cultural, Hebe Rôla, que participa desde que a procissão começou, conta que a “encenação é fruto de uma de uma pesquisa dinâmica”.
Até ano passado, duas lendas eram retratadas. A primeira é a procissão do miserere, escrita por Waldemar de Moura Santos, no livro Lendas Marianenses, e a outra a do balaio de penas, do Distrito de Padre Viegas, recolhida por Hebe Rôla. Este ano, mais um relato foi adicionado à encenação. Segundo a animadora cultural, Antônio Norberto, já falecido, “quando acabava a procissão dos mortos, saía e tocava ‘um lamento’ em todos os cemitérios de Mariana”. Durante o trajeto, a canção foi executada pela banda União XV de Novembro, da qual ele era membro.
Outro participante, mas que está entre os vivos, o médico Rodrigo Miranda, participa a dezessete anos da procissão. De acordo com o veterano, é necessário que se participe sete anos seguidos, após a primeira vez, se não da próxima vez participará “como assombração”. “Eu interrompo antes desse ciclo e nem por isso acompanho como assombração”, brinca.
Entretanto, nem tudo que ronda essa lenda é brincadeira. Para Dalva Pinheiro, de 76 anos, ex-moradora da “Rua de Cima”, no Distrito de Furquim, a história é factual. Segundo os relatos de Waldemar de Moura, a lenda na qual se baseia a procissão fala de uma mulher maledicente, que estava sempre na janela a espionar e falar mal da vida alheia. Nisso, ela, que ficava ali até altas horas, acabou sendo surpreendida pela procissão horrenda. Já segundo Dalva, a “senhora não era fofoqueira”. Ela ficava na janela porque tinha muita “falta de ar”. Na época que ouviu a história, Dalva tinha oito anos. “Quem conversava muito com ela (a mulher da procissão) eram meus pais, naquela época gente velha não conversava com criança não”, explica.